Educar em uma bolha?

Um dos mitos mais interessantes relacionados ao Homeschooling é exatamente a visão de que o ensino domiciliar é chato e encarcerado. Como se a educação proposta pelos pais fosse de tal forma militar e sequencial que a criança sempre seria triste e decepcionada. Uma outra ideia é a de que a criança será isolada da sociedade, da cultura e de qualquer outra influência. Isso tem a ver com algumas premissas erradas.

A gente entende que parte dessa culpa é da nossa mente "escolarizada". É comum a gente achar que "educar" é sinônimo de "escolarizar", que "escola" é sinônimo de "sociedade", que lugar de criança é na "escola" (e não em casa, na vida, na rua, na cidade...). É comum a gente acreditar que a maior diversão da escola é justamente o convívio coletivo, as atividades extras e os seus projetos criativos e interessantes. Isso sem falar das festas e datas especiais. Que sem convívio escolar as crianças serão "estranhas" e os pais "bitolados",

Educação Desescolarizada não se resume em transferir para o pai a função de professor, em transformar uma "sala da casa" em "sala de aula" e nem utilizar todo o currículo escolar de uma instituição educacional com seus livros, carteiras, provas, festas, projetos e trabalhos com o objetivo de "acompanhar a escola".

É preciso entender... é justamente por famílias acreditarem que a modalidade escolar não é interessante que as famílias evitam trazer esse modelo para educar seus filhos. Famílias homeschoolers geralmente tem mais tempo "fora de casa" do que os alunos escolarizados. Geralmente são famílias que se relacionam com outras famílias, que se reúnem uma ou duas vezes por semana, que visitam outros espaços como bibliotecas, praças, centros culturais, órgãos governamentais, museus, exposições...

Os chamados "Grupos de Apoio" são redes de famílias que se apoiam, trocam materiais, marcam encontros, passeios e, assim, fundamentam aquilo que entendem como educação familiar: apresentar a sociedade, seus espaços, suas relações a partir da casa, tendo a família como a mediadora e participante nesse processo.

A Educação Domiciliar não usa como premissa "isolar" a criança da sociedade. E se algumas famílias homeschoolers vierem a fazer isso, não estarão seguindo o pensamento da maioria das famílias praticantes da Educação Domiciliar. A grande questão é que a Educação Domiciliar pretende educar, mas mediando essa relação entre a criança e a sociedade.

Criança deixadas em frente a televisão por 2, 3, 4 horas por dia, que dedicam quase 6 horas por dia em função da escola, com excesso de brinquedos, fazendo múltiplos cursos, tendo 2 a 3 horas de presença dos familiares (e nem sempre é uma presença exclusiva, dedicada e íntegra), apresentando desequilíbrios no uso de celulares e tablets... seria esse o perfil padrão que temos visto de crianças sendo educadas "fora da bolha"? Ou não seria justamente isso uma educação em uma "bolha"?

Crianças que até podem manifestar que são felizes, porque estão "adaptadas" ou "acostumadas". Mas não cremos que esse perfil de crianças esteja recebendo uma formação plena e saudável. Elas estão sendo, infelizmente, adestradas. Educar crianças "fora da bolha" requer um olhar crítico, equilibrado e muitas vezes posicionado sobre questões fundamentais que fazem parte da nossa sociedade como: consumismo, relacionamentos, princípios, colaboração, valores, sustentabilidade, entre tantos outros exemplos. E como fazer isso se a escola mal tem conseguido realizar o básico, instruir crianças e adolescentes nas disciplinas elementares?

Richard G. Medlin, em uma pesquisa com famílias homeschoolers afirmou que as crianças nessa modalidade de educação "certamente não estão isoladas, na verdade, estão associadas com – e sentem-se próximos a – todo tipo de pessoa. Os pais delas podem tirar muito do crédito por isso. Pois, com o desenvolvimento social de longo prazo dos filhos em mente, eles ativamente os encorajam a tirar proveito das oportunidades sociais externas à família."

Não há como afirmar que não haverão famílias que se posicionarão de modo isolacionista (e várias reportagens irão enfatizar essas famílias para manutenção dos mitos), mas a grande parte das famílias que praticam essa modalidade tem como alvo serem mediadores e guias em tempo real, no convívio prático e livre. Educar não é direcionar a criança para uma carreira. Educar é apresentar a vida.

Para finalizar, vale a pena citar que duas pesquisas distintas, realizadas por Bryan D. Ray e Deani Van Pelt indicam que os adultos que foram educados em casa participam mais em ações comunitárias e se envolvem mais politicamente com a sociedade do que os seus pares escolarizados.

Talvez a pergunta mais correta a se fazer seja "Quem de fato está sendo educado em uma bolha?"

M.H.S.

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